História de Campo Grande – Rio de Janeiro - Por Wilson Rodrigues de Oliveira
Wilson Rodrigues de Oliveira
Meu nome é Wilson Rodrigues de Oliveira. Nasci no bairro de Campo Grande, onde me criei e vivi por quase 34 anos. Sou casado, economista e funcionário aposentado do Banco do Brasil, tendo trabalhado na agência Campo Grande (localizada na rua de mesmo nome) no período de dezembro de 1959 a dezembro de 1968.
Embora deixando de morar naquele bairro, não perdi o vínculo com o mesmo, já que meus pais e irmãos permaneceram vivendo lá. Enquanto meus pais estavam vivos, eu me fazia presente em Campo Grande semanalmente. Mesmo após o falecimento de meus genitores, continuei e continuo visitando meus irmãos e demais parentes com muita frequência.
É, portanto, nessa condição de campo-grandense que, ao escrever meu “livro de memórias”, dei, com enorme satisfação, um destaque especial àquela importante localidade da Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro. Nesse contexto, encontra-se transcrito neste espaço um conjunto de referências a Campo Grande extraído do citado livro, que acaba de ser lançado na Internet por intermédio do Clube de Autores, entidade que também negocia outros dois livros de minha autoria, intitulados “BANCO DO BRASIL – Dois Séculos de História” e “O BRASIL – De Getúlio Vargas a Michel Temer”.
O bairro de Campo Grande foi fundado em 1603 e fica a 55 km do Centro da cidade. Sua população, que, por volta de 1950, não passava de 55 mil habitantes, ultrapassou, em 2010, a casa dos 300 mil moradores, transformando-se, dessa forma, no bairro mais populoso não só do município do Rio de Janeiro como também de todo o país.
Campo Grande sempre teve um comércio forte e diversificado, embora as grandes lojas de departamento só começassem a surgir naquela localidade a partir da década de 1950, o que, no entanto, não constituía fator de desestímulo para que nela se instalasse uma extensa rede bancária, pois já podíamos contar, naqueles anos, com 11 estabelecimentos de crédito, incluindo o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal.
Além disso, Campo Grande possuía um hospital bem instalado e equipado – o Rocha Faria – que, naquela ocasião, era uma referência em toda a Zona Oeste. Havia, também, um ótimo Posto de Saúde da então Prefeitura do Distrito Federal, que atendia eficaz e prontamente a população local. Os campo-grandenses eram brindados, ainda, com um destacamento do Corpo de Bombeiros (o 13º CBM).
Apesar do forte e diversificado comércio de Campo Grande, era comum a presença diária de vendedores ambulantes nas ruas mais afastadas do centro do bairro. Tratava-se de verdadeiros comerciantes autônomos, conhecidos como “mascates”, bem diferentes dos “Camelôs” que tomaram as ruas do Rio de Janeiro de algumas décadas para cá.
Havia, por exemplo, o “barateiro”, ambulante que conduzia suas malas em um carro de mão apropriado (geralmente de madeira) ou em um triciclo. Além de uma variedade imensa de roupas e acessórios para ambos os sexos, o vendedor, que se fazia anunciar gritando “barateiro! barateiro!”, se especializava na venda de tecidos a metro, trazendo peças de variadas cores e qualidades para confecção de roupas de ambos os sexos.
Naquele tempo, os vestidos eram feitos sob medida por costureiras, algumas de “mãos-cheias” como se costumava dizer quando se tratasse de excelentes modistas. As roupas masculinas eram confeccionadas por alfaiates. Naquela ocasião, como se vê, ainda não haviam chegado ao bairro as lojas de “prêt-à-porter”. A primeira desta modalidade surgiu em Campo Grande no início da década de 1950, por iniciativa da antiga empresa “A Seda Moderna”, a qual, infelizmente, entrou em processo de liquidação extrajudicial na segunda metade dos anos 1990.
Naturalmente, os moradores com maior poder aquisitivo preferiam se deslocar até o centro do bairro para fazer suas compras em lojas que ofereciam maior variedade e melhor qualidade de mercadorias. De vez em quando chegava ao conhecimento dos moradores que um determinado “barateiro” havia instalado uma loja numa das ruas centrais do bairro e, por isso, deixara de praticar o comércio ambulante.
Além da figura do citado vendedor, existia a do “padeiro”, que trazia pães fresquinhos, em forma de bisnagas perfeitamente arrumadas no sentido vertical num cesto de vime. A fabricação das bisnagas praticamente desapareceu de algumas décadas para c. Diferentemente do “barateiro”, que se fazia presente uma vez por semana, o “padeiro” aparecia diariamente, sempre entre 16 e 17 horas, para nos oferecer os pães do lanche do fim da tarde.
Havia, também, o “quitandeiro”, que diariamente nos exibia frutas, verduras e legumes de boa qualidade, produzidos em sítios da periferia e colhidos poucas horas antes da comercialização. Outra presença marcante nas ruas do bairro, também diariamente, era a do “pipoqueiro”, que surgia ao anoitecer. Quando ele entrava nos logradouros alertando a garotada com sua tradicional campainha era uma festa.
Na área escolar, Campo Grande era detentor, ao final da década de 1950, do segundo maior contingente estudantil do então Distrito Federal, só perdendo para o bairro de Botafogo, conforme levantamento realizado pela Secretaria de Educação.
Era extensa e de bom nível a rede de escolas públicas, tanto as do Curso Primário quanto as do Curso Ginasial, nestas sobressaindo o Colégio Raja Gabaglia e o Charles Dickens. Na área particular, era marcante a presença de bons educandários, dentre os quais se destacavam os Colégios Afonso Celso (mais tarde transformado na Escola Técnica de Comércio Afonso Celso), Belisário dos Santos, Nossa Senhora do Rosário e, finalmente, o Colégio Campo Grande.
Criada ao final da década de 1950, a Escola Normal Sara Kubitschek, pouco tempo depois denominada Instituto de Educação Sara Kubitschek, passou a constituir mais um ponto de referência no campo estudantil do bairro. A partir dos anos 1960, começaram a surgir os estabelecimentos de ensino superior, tais como o Centro Universitário Moacyr Sreder Bastos e a FEUC – Faculdades Integradas.
No setor de transportes, os campo-grandenses, além de contar com os trens da Central do Brasil para chegarem a outros bairros e, principalmente ao Centro da cidade, se utilizavam, também, dos serviços dos bondes para deslocamentos dentro da própria localidade. Aliás, Campo Grande era o único bairro da Zona Oeste a desfrutar desse importante e popular meio de transporte, que permaneceu até 1967, quando foi definitivamente extinto.
O bonde transportava ricos e pobres, desfilava como carro-chefe em batalhas de confete e era tema de inúmeras músicas de carnaval. Serviu para casamentos e batizados. Seus trilhos eram utilizados pela garotada para moer vidro para cerol de pipas, o qual, diga-se, era de excelente qualidade, testemunhada por mim mesmo, já que também me utilizava desse expediente.
O bonde também serviu aos propagandistas. Anúncios sobre a qualidade de determinados produtos viam-se frequentemente nos bondes, como este que se popularizou no Brasil inteiro:
Veja ilustre passageiro,
O belo tipo faceiro
Que o senhor tem a seu lado;
No entanto, acredite,
Quase morreu de bronquite.
Salvou-o Rhum Creosotado.
De acordo com a Enciclopédia Barsa, os primeiros bondes, puxados a burros, começaram a circular em março de 1859, com a presença de figuras ilustres, dentre as quais as de D. Pedro II e de sua esposa Teresa Cristina. O trecho ligava a atual Praça Tiradentes à Usina, na Tijuca, com o percurso de 7 km. O grande alívio para os sacrificados burros só ocorreu a partir de outubro de 1892, quando o bonde elétrico teve sua viagem inaugural, o que passou a proporcionar transporte mais rápido.
Porém, a tarefa dos coitados animais não se encerrou de imediato, pois os bondes com tração animal permaneceram em alguns lugares por mais de vinte 20 anos, como foi o caso dos bondes de Campo Grande, os quais começaram a operar em 1894, inicialmente apenas para o transporte de cargas. Só em 1908 foi implantado o transporte de passageiros, os quais passaram a contar com três ramais: o da Pedra de Guaratiba, o da Ilha de Guaratiba e o do Rio da Prata. Todos os veículos partiam de um único ponto no Centro do bairro, seguindo cada qual o seu itinerário próprio.
A primeira dessas linhas a receber eletrificação foi a da Pedra de Guaratiba, em 1917. No ano seguinte, foi a vez do ramal da Ilha de Guaratiba. Só em 1920 a linha do Rio da Prata foi contemplada com aquela modernização. O processo de extinção dos bondes da cidade do Rio de Janeiro teve início em 1962, no Governo Carlos Lacerda. Porém, os bondes de Campo Grande só deixaram de funcionar em outubro de 1967, já durante o Governo Negrão de Lima. Assim, no processo de extinção desses veículos sobraram apenas os de Santa Teresa, que permanecem operando.
Vale ressaltar que toda essa estrutura de Campo Grande estava montada para servir, por volta de 1950, a uma população de pouco mais de 50 mil habitantes. Com o vertiginoso crescimento e com sua numerosa população atual, é possível que Campo Grande, a exemplo de inúmeros outros bairros, não proporcione aos seus moradores, nos dias de hoje, o mesmo sistema de vida prazeroso e confortável que usufruíamos naquela época.
É importante lembrar ainda que, embora conhecido como bairro, Campo Grande recebeu, em 1968, o título de “Cidade de Campo Grande”, de acordo com a Lei nº 1627, de 13 de junho daquele ano, promulgada pelo então governador Negrão de Lima.
Por outro lado, a evolução da infraestrutura do Bairro, especialmente nos lugares mais afastados da zona central, era acompanhada pelos moradores com muito entusiasmo e expectativa. Inaugurações do sistema de água e esgoto, de iluminação pública e dos serviços de asfaltamento de ruas e avenidas eram celebradas com muita alegria. Tudo era motivo para festas, na maioria das vezes organizadas e patrocinadas pelos próprios políticos que se apresentavam como autores das respectivas façanhas.
A extensão da rede elétrica dos trens da Central do Brasil, primeiramente de Bangu a Campo Grande (em 1944) e, no ano seguinte, chegando à estação do Matadouro, foi um acontecimento de real importância para toda a população da Zona Oeste. Lembro-me perfeitamente da festa de inauguração realizada junto à estação de Campo Grande, à qual compareceu o então presidente da República Getúlio Vargas, acompanhado de sua comitiva.
Pela significativa importância para toda a Zona Oeste, faço questão de relatar, também, as obras de extensão da Avenida das Bandeiras (atual Av. Brasil), primeiramente até Campo Grande e depois alcançando o bairro de Santa Cruz. Antes, ela só chegava ao local de Deodoro. Os trabalhos, iniciados na década de 1950, foram acompanhados pelos moradores com muita satisfação e expectativa, já que, indubitavelmente, o prolongamento dessa avenida muito contribuiria para o desenvolvimento daquela região, o que de fato aconteceu.
Para finalizar, outro serviço que considero importante relembrar é o de telefonia, que, até o final do século passado, era bastante precário e deixava muito a desejar. A maioria dos brasileiros não podia utilizar esse tipo serviço público devido à incapacidade das companhias telefônicas de expandir suas linhas. A mudança daquela situação vergonhosa foi fruto da privatização do Sistema Telebrás, concretizada em julho de 1996, no Governo Fernando Henrique Cardoso.
Se tudo isso ocorria no âmbito geral do país, inclusive na cidade do Rio de Janeiro, onde a rede de aparelhos automáticos só chegava ao bairro de Cascadura e parte de Madureira, o que se dirá do tempo em que apenas poucas pessoas e lojas comerciais de toda a Zona Oeste – incluindo as faixas da Barra da Tijuca e do Recreio dos Bandeirantes e as Ilhas do Governador e de Paquetá – eram possuidoras de aparelhos telefônicos operados por manivela?
Sempre que se desejava fazer uma ligação, dependia-se da telefonista, que muito educadamente atendia no momento em que era acionada a manivela. Se local, a ligação era completada de imediato; para a área dos aparelhos automáticos, esperávamos alguns minutos e, para se falar para outras cidades, a demora podia levar horas. Era um verdadeiro horror.
Aquela situação foi radicalmente modificada a partir dos anos iniciais da década de 1960, quando Carlos Lacerda, primeiro governador eleito do recém-criado Estado da Guanabara, decidiu fundar a Companhia Estadual de Telefones da Guanabara (CETEL), com a finalidade de implantar uma rede moderna de aparelhos automáticos em toda a área da Companhia Telefônica Brasileira (CTB) onde só funcionavam os de manivela. Embora grande parte da população não acreditasse, o sucesso da CETEL foi total. Anos depois, a TELERJ (ex-CTB, depois TELEMAR e atualmente Oi) incorporou definitivamente aquela empresa.
Belo texto! Parabéns Xará!
ResponderExcluirCaro Xará.
ExcluirMuito obrigado pelo elogio.
Parabéns!
ResponderExcluirHistória linda!
ResponderExcluirCaro Will
ExcluirMuito obrigado
Parabéns pelo belíssimo trabalho.
ResponderExcluirParabéns pelo seu belíssimo trabalho
ResponderExcluirPrezado Luís Eduardo,
ExcluirObrigado pelo seu comentário. Alegra-me saber que meu texto foi lido e apreciado.
Nossa que maravilha! Mesmo não tendo presenciado algumas citações acima, é muito gostoso ler essas informações do meu bairro. Parabéns ao autor pela riqueza de detalhes!
ResponderExcluirCampo Grande realmente merece um texto rico em detalhes como esse. Adorei saber que CG já recebeu o Titulo de “Cidade de Campo Grande“ Parabéns!!!
ResponderExcluirPrezada Renata.
ExcluirÉ sempre muito agradável a todo autor saber que seu texto foi lido e apreciado. Muito obrigado. Estendo, na oportunidade, meu agradecimento a quem escreveu logo a seguir sem se identificar.